quarta-feira, 1 de julho de 2009

Brotinho indócil

A insistência daqueles chamados já estava me enchendo a paciência (isto foi há alguns anos). Toda a vez era a mesma voz infantil e a mesma teimosia:

— Mas eu nunca vou à cidade, minha filha. Por que é que você não toma juízo e não esquece essa bobagem...

A resposta vinha clara, prática, persuasiva:

— Olha que eu sou um broto muito bonitinho... E depois, não é nada do que você pensa não, seu bobo. Eu quero só que você autografe para mim a sua Antologia poética, morou?

Morar eu morava. É danadamente difícil ser indelicado com uma mulher, sobretudo quando já se facilitou um bocadinho. Aventei a hipótese:

— Mas... e se você for um bagulho horrível? Não é chato para nós ambos?

A risada veio límpida como a própria verdade enunciada:

— Sou uma gracinha.

Mnhum – mnhum. Comecei a sentir-me nojento, uma espécie de Nabokov avant la lettre, com aquela Lolita de araque a querer arrastar-me para o seu mundo de ninfeta. Não resistiria.

— Adeus. Vê se não telefona mais, por favor...

— Adeus. Espero você às quatro, diante da ABI. Quando você vir um brotinho lindo você sabe que sou eu. Você, eu conheço. Tenho até retratos seus...

Não fui, é claro. Mas o telefone no dia seguinte tocou.

— Ingrato...

— Onde é que você mora, hein?

— Na Tijuca. Por quê?

— Por nada. Você não desiste, não é?

— Nem morta.

— Está bem. São três da tarde; às quatro estarei na porta da ABI. Se quiser dar o bolo, pode dar. Tenho de toda maneira que ir à cidade.

— Malcriado... Você vai cair duro quando me vir.

Desta vez fui. E qual não é minha surpresa quando, às quatro e ponto, vejo aproximar-se de mim a coisinha mais linda do mundo: um pouco mais de um metro e meio de mulherzinha em uniforme colegial, saltos baixos e rabinho de cavalo, rosto lavado, olhos enormes: uma graça completa. Teria, no máximo, treze anos. Apresentou-me sorridente o livro:

— Põe uma coisa bem bonitinha para mim, por favor?

E como eu lhe respondesse ao sorriso:

— Então, está desapontado?

Escrevi a dedicatória sem dar-lhe trela. Ela leu atentamente, teve um muxoxo:

— Ih, que sério...

Embora morto de vontade de rir, contive-me para retorquir-lhe:

— É, sou um homem sério. E daí?

O "e daí" é que foi a minha perdição. Seus olhos brilharam e ela disse rápido:

— Daí que os homens sérios podem muito bem levar brotinhos ao cinema...

Olhei-a com um falso ar severo:

— Você está vendo aquele Café ali? Se você não desaparecer daqui imediatamente eu vou àquele Café, ligo para sua mãe ou seu pai e digo para virem buscar você aqui de chinelo, você está ouvindo? De chinelo!

Ela me ouviu, parada, um arzinho meio triste como o de uma menina a quem não se fez a vontade. Depois disse, devagar, olhando-me bem nos olhos:

— Você não sabe o que está perdendo...

E saiu em frente, desenvolvendo, para o lado da avenida.


Vinicius de Moraes

Um comentário:

  1. Amo esse, amo, amo!

    nunca me esqueci a primeira vez que li...

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