Chiquérrimo!
Dei uma apertada linda na sua letra, depois que v. partiu, porque achei que valia a pena trabalhar mais um pouquinho sôbre ela, sôbre aquêles hiatos que havia, adicionando duas ou três idéias que tive. Mandei-a em carta a v., mas Toquinho, com a cara mais séria do mundo, me disse que Sérgio morava em Burí 11, e lá foi a carta para Burí 11.
Mas, como v. me disse no telefone que não tinha recebido, estou mandando outra para ver se v. concorda com as modificações feitas. Claro que a letra é sua, eu nada mais fiz que dar uma aparafusada geral. Às vêzes o cara de fora vê melhor estas coisas.
Enfim, porra, aí vai ela. Dei-lhe o nome de "Valsa hippie", porque parece-me que tua letra tem êsse elemento hippie que dá um encanto todo moderno à valsa, brasileira e antigona. Que é que você acha? O pessoal aqui no princípio estranhou um pouco, mas depois se amarrou a idéia. Escreva logo, dizendo o que v. achou.
Um dia êle chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um modo mais quente do que comumente costumava olhar
E não falou mal da poesia como era mania sua de falar
E nem deixou-a só num canto; pra seu grande espanto disse: vamos nos amar...
Aí ela se recordou do tempo em que saíam para namorar
E pôs seu vestido dourado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como a gente antiga costumava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a bailar...
E logo tôda a vizinhança ao som daquela dança foi e despertou
E veio para a praça escura, e muita gente jura que se iluminou.
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu em paz.
Vinicius de Moraes
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De Chico Buarque para Vinicius de Moraes
Rio, 2 de fevereiro
Caro poeta,
Recebi as suas duas cartas e fiquei meio embananado. É que eu já estava cantando aquela letra, com hiato e tudo, gostando e me acostumando a ela...
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