segunda-feira, 29 de março de 2010

Viagem

No perfume dos meus dedos
há um gosto de sofrimento,
como o sangue dos segredos
no gume do pensamento.

Por onde é que vou?

Fechei as portas sozinha.
Custaram tanto a rodar!
Se chamasse, ninguém vinha.
Para que se há de chamar?

Que caminho estranho!

Eras coisa tão sem forma,
tão sem tempo, tão sem nada...
– arco-íris do meu dilúvio! –
que nem podias ser vista
nem quase mesmo pensada.

Ninguém mais caminha?

A noite bebeu-te as cores
para pintar as estrelas.
Desde então, que é dos meus olhos?
Voaram de mim para as nuvens,
com redes para prendê-las.

Quem te alcançará?

Dentro da noite mais densa,
navegarei sem rumores,
seguindo por onde fores
como um sonho que se pensa.

Por onde é que vou?

Cecília Meireles

Um comentário:

  1. Lindo poema, sou suspeita para falar de Cecília Meireles, meu primeiro contato com poesia foi com ela, eu era bem pequena e já ficava encantada com tanto talento.

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